top of page
Assessoria em Arte, Educação e Cultura

Arte Educação popular: o que é?

          A Arte Educação Popular vem unir a Arte com a Educação Popular. No grande jogo de palavras é a Arte na Educação Popular, e ao mesmo tempo não é qualquer tipo de arte, é uma Arte Popular, em contraponto de uma Arte elitizada para poucos iluminados com um “dom” divino para as artes. É uma Arte que qualquer ser humano é capaz de fazer, e é ao mesmo tempo, um trabalho de Arte Educação, de educação através da Arte, de “ensino-aprendizagem” da arte. O foco, portanto não é ensinar arte, propriamente dito, mas realizar um processo educacional cujo caminho, centro, metodologia seja a atividade e a capacidade artística do ser humano.
 

          A Arte Educação Popular é fundamentada na teoria e metodologia da Educação Popular. Propomos uma reflexão de como a arte e o conteúdo de estudo podem contribuir no avanço, na libertação e na transformação social de sua realidade específica, ou manter valores e atos culturais que a comunidade acredite deva permanecer.
 

          Nesse contexto, o foco do processo utilizado não é “ensinar” técnicas e/ou teorias de alguma linguagem artística, para eles reproduzirem em suas práticas. A Arte de que falamos, não é uma Arte mistificada, distante, proveniente de um dom divino, uma inspiração sobrenatural que o artista como pessoa especial, recebe e que poucos podem fazer. Não é uma de poucos iluminados. Vamos contra essa concepção de artista, pois partimos do pressuposto de que este tipo de mistificação na arte:
 

        "é a chave que tranca a imaginação, a criatividade, (...) a autoconfiança e a motivação das maiorias do mundo – alienando a força transformadora de suas mãos-de-obra – no silêncio e isolamento da auto-alienação, autodúvida, e auto-subordinação involuntária para excluí-las do drama de construir sua própria humanidade" (BARON, 2004, p. 37).
 

      Por isso, a proposta é fazer Arte como atividade humana, como algo inerente ao Ser Humano, que é, em sua essência, um ser produtor de cultura. "Não basta consumir cultura: é necessário produzi-la. Não basta gozar arte: necessário é ser Artista! (...) Ser Humano é Ser Artista!" (BOAL, 2009, p. 19). Partindo do pressuposto de que todo e qualquer ser humano é capaz de criar cultura e arte.
 

     A conscientização proposta pela educação popular, n Arte Educação Popular não é apenas verbal ou teórico, mas passa pelos sentidos. Nesse sentido “as artes podem renovar os poderes perceptivos e empáticos das inteligências de nossos sentidos, possibilitando a (re)sensibilização e a autocompreensão necessárias ao cultivo da nova solidariedade reflexiva(...)” (BARON, 2004, p. 37).
 

    Procuramos, então fazer com que as pessoas e as comunidades humanas criem criativamente sua cultura, usem a criatividade para criar novas formas de se relacionar, criem novos produtos, novas construções, novas formas de ver, sentir e lidar com o mundo.
 

        Logo, quando as pessoas chegam em um grupo, eles trazem, vindos de sua realidade e comunidade, sua própria cultura, sua forma de entender a si mesmo, sua forma de se relacionar, sua forma de se expressar, sua arte, seus valores, pensamentos, costumes. Por isso, temos de conhecer qual é o repertório cultural que os cursistas trazem de sua realidade e qual o tipo de arte que está presente em sua realidade, em sua comunidade. Desta forma forjamos um diálogo com a sua própria cultura. A ideia é que eles vejam, sintam, ouçam, vivenciem diferentes linguagens artísticas, e dialoguem com elas a partir de sua realidade, em sua comunidade, para assim, ampliar as possibilidades deles fazerem intervenções e reconhecerem seu potencial transformador na sua própria arte, que passa a ser valorizada. Não negamos que uma linguagem artística, contribua para a transformação humana e social e acreditamos que é também uma perspectiva necessária, mas optamos, na oficina, por demonstrar que qualquer tipo de arte tem um potencial transformador, e com isso trazer uma perspectiva integradora das diferentes linguagens artísticas.


       Vemos então que as artes se relacionam, e que a comunicação entre elas é fundamental: um teatro é tão visual quanto um quadro, uma dança é tão teatral quanto uma peça falada, uma escultura usando o corpo é tão escultura quanto uma feita de argila, ou quaisquer outros materiais. Logo, do mesmo jeito que podemos expressar uma emoção, uma realidade, um problema, uma discussão, através de um teatro, por exemplo, também podemos apresentar essas mesmas coisas através da dança, das artes visuais, da música, etc. e ainda, podemos nos utilizar de mais de uma forma, podemos unir, relacionar essas artes para apresentar, demonstrar e/ou expressar o que nós somos, desejamos ou nos propormos a fazer. Esse diálogo artístico enriquece as possibilidades criativas e culturais de fazer a transformação humana e social que pretendemos. Portanto, é através da interdisciplinaridade das “linguagens” artísticas, e da proximidade delas com a cotidianidade é que trabalhamos com uma arte e uma educação emancipatórias.

        Além disso, a Educação Popular tem como objetivo a conscientização, que acontece, em geral, de forma cognitiva, simbólica e verbal. Mas quando entramos com o pensamento sensível, o conhecimento sensível, os sentidos e emoções, precisamos do que se chama de Sensibilização. Essa sensibilização pode ser definida como

 

        "a re-humanização do sujeito dessensibilizado pela violência, da competição, medo, exclusão e/ou privilégio racionalizado, através da renovação das inteligências e a reaprendizagem das linguagens sensoriais-emocionais, para resgatar uma sensibilidade aos outros e ao mundo. Uso sensibilização ao invés de conscientização que privilegia a consciência intelectual (...). a sensibilização, então, propõe a negação da divisão racionalista entre corpo e mente, (...) e um compromisso com processos de transformação que iniciam por dentro do eu, através de e em diálogo com os outros" (BARON, 2004, p. 423).
 

      A Arte Educação Popular tem como expectativa de que essas pessoas se voltem para sua realidade não apenas conscientizados sobre o tema, sobre si, e sobre a realidade, mas conscientizados e sensibilizados. Sensibilizados quanto ao tema que circunda suas vidas; sensibilizados quanto ao outro ser humano e em relação a sociedade humana; sensibilizados em de sua necessidade de liberdade, de solidariedade e de humanização. Sensibilizados quanto ao seu “papel” de serem atores históricos e não apenas plateia. Linguagens corporais, como o teatro ou a dança para que nossos corpos de trabalhadores se sensibilizem sobre as diversas realidades da vida. Precisamos das artes visuais para que através de nossas mãos e de imagens, possamos ver o contexto com outras imagens e assim, nos aproximar dele com uma postura diferente.
 

      Uma parte imprescindível do trabalho com a Arte Educação Popular é a questão da educação dos sentidos. A Arte, em si, é produto dos seres humanos, do seu ato de pensar, de suas emoções, daquilo que ele vivencia nos seus sentidos: o som que ele ouve, o ser humano o transforma em música. Aquilo que ele vê, pode transformar em imagem, através das Artes Visuais. Se analisarmos bem, toda forma de arte passa pelos sentidos do ser humano. Nisso, é necessário que o Ser Humano tenha os sentidos educados.
 

     O ato de ver, por exemplo, não é natural, ele precisa ser aprendido. Vejo nas salas de aulas, nos encontros “educativos”, nos ambientes de trabalho, que as pessoas chegam, dizem “bom dia” para todos os presentes, mas muitas vezes nem olham para quem está presente. Vejo educadores que não olham para seus educandos. Colegas de trabalho que não se olham. Pessoas que se sentem mal quando alguém olha para elas. Chegam na sala, falam, falam, falam e vão embora, sem sequer olhar para quem está presente. Precisamos nos olhar mais. Está tão “proibido” o olhar que temos dificuldade de olhar a outra pessoa nos olhos. “Muito íntimo”, dizem uns, “muito pessoal”, dizem outros. Mas todos concordam que a pessoalidade inicia com o olhar. Defendo uma educação mais pessoal, feita de ser humano para ser humano. E ela se inicia com o olhar também.
 

      Porém, não basta olhar para o outro (ainda que seja fundamental), é necessário vê-lo, realmente enxergá-lo. Ver quem ele é, ver o outro na sua humanidade. Conhecê-lo, ver suas necessidades, seu jeito de ser, seus interesses, seus sentimentos, seus pensamentos, sua visão de mundo.
 

     Precisamos, por fim, aprender a olhar as coisas, ver as coisas por diferentes pontos de vista, inclusive o dos nossos educandos. Ver como eles veem, ver a partir dos olhos deles. Ver os nossos educandos, a partir do melhor deles: precisamos ver seus potenciais, aquilo que eles têm de melhor. Precisamos ter olhos educados para poder ver a beleza. As “feiuras” do mundo, seus problemas, todos podem ver, apesar de talvez não verem eles criticamente. Para ver criticamente precisamos educar o nosso olhar também. Mas ver a beleza é para quem tem olhos educados. Ver a beleza na escola, ver a beleza em nosso mundo, ver a beleza nas pessoas. Ver a beleza naquele educando que “só faz bagunça”, e que muitas vezes até agride o educador, verbal ou fisicamente, é só para quem tem olhos educados. Ver através das atitudes, ver que um aluno vai “mal” na escola, e não é por que ele é preguiçoso, mas por que está enfrentando um problema na família, é capacidade que tem de ser aprendida e desenvolvida.
 

      As Artes Visuais nesse sentido, nos ajuda a expressar e a aprender a trabalhar a dimensão do olhar. As imagens falam, e o mundo está repleto delas. Ler essas imagens, ter um olhar crítico ao que vê, é uma das potencialidades do trabalho educativo com as artes, principalmente as visuais.
 

   O Ser Humano precisa ter os ouvidos educados. Precisa desenvolver sua “Escutatória”, como diria Rubem Alves. Vemos que a necessidade é de que a nossa atuação, em qualquer esfera da vida humana, parta sempre de uma escuta atenta e sensível do outro, das suas questões, seus saberes, suas indagações e curiosidades, suas vontades, necessidades e interesses. Se não ouvirmos, e sempre começamos falando, não falamos com as pessoas, mas para elas. Falar com elas é escutá-las.


    Portanto, o ouvir não é natural e aleatório. Precisamos desenvolver essa escuta. Precisamos aprender a ouvir. Ouvir sua fala, seu pensamento, sua leitura de mundo, suas opiniões. Muito antes de colocar a nossa opinião, nossa visão de mundo, nosso pensamento. Nós precisamos, então, ter essa disponibilidade, essa escuta. Necessitamos organizarmos o espaço social educativo, para que todos falem e sejam ouvidos, e precisamos que nos calemos para ouvir o outro, ao invés de impor a nossa fala, o nosso pensamento, o nosso conhecimento. É um direito de todos e de cada um ser ouvido. Todos têm de ter o direito de falar e de ser ouvido verdadeiramente. O educador deve ser o primeiro a respeitar esse direito e deve organizar o espaço social para que esses direitos sejam respeitados.
 

       Muitas vezes, na prática pedagógica, o educador se preocupe com o que vai falar: e isso é legítimo. Porém, precisamos nos preocupar também em ouvir, em desenvolver a escuta, nossa habilidade em ouvir o outro. Ouvir tão verdadeiramente e tão profundamente, que transforme a nossa prática pedagógica pelo que se ouviu dos educandos, isto é, comece a levar em conta, no fazer pedagógico, a voz dos educandos, sua leitura de mundo, seus interesses, suas indagações.


       Nesse sentido, a música, a Arte de organizar sons, é fundamental. Se sensibilizar aos sons, desenvolver a escuta, saber se situar e organizar os sons, criar sonoramente, se expressar através do sons, reconhecer e se conscientizar sobre a paisagem sonora, ouvir criticamente as coisas, são partes importantes da educação musical.


      Além de ver e ouvir, nós precisamos tocar, precisamos saber aceitar toques e precisamos nos tocar. A educação é algo corporal, é algo da pele também, o ser humano necessita ser tocado, ter esse contato íntimo com outro ser humano. Abraços, carinhos, colo, corpo com corpo. Todo e qualquer ser humano necessita disso. Infelizmente temos, historicamente, nos distanciado cada vez mais da pedagogia dos corpos, da pedagogia do toque. Não gostamos de sermos tocados, temos medo do toque. Vemos o toque com maus olhos, quando não temos os olhos educados. Um educador que coloca uma menina de 5, 6, 7 anos em seu colo, para conversar com ela, ou ajudá-la a aprender algo: para alguns, perigo de pedofilia. Para mim, atitude necessária ao processo educativo. Tanto o educador quanto a criança necessitam desse toque, desse colo. O educador pode (e em minha opinião deve) abraçar seus educandos ao estar com eles, ao se encontrar com eles. Só se faz uma educação verdadeira, plena, se, além do compartilhar do conhecimento, existir também uma relação íntima e plena com seus educandos. Relação íntima no sentido de serem dois seres humanos, com suas questões, seus sonhos, seus pensamentos, suas emoções, em contato, em relação. Não há contato sem tato. Contato deve ser com tato. É imprescindível.
 

       Nós não podemos ter medo de se aproximar do outro, de conhecê-lo e se deixar conhecer. Para isso, não podemos ter medo de tocar e se deixar tocar. E para isso nós precisamos ter o tato educado. Precisamos aprender a se tocar, permitirmos ser tocado sem medo, tocar o outro sem medo. Se livrar dos medos e convenções sociais que o ensinaram que o toque é perigoso, e que deve ser evitado.
 

     Quando dois seres humanos estão juntos, são dois corpos que estão ali, e não apenas duas mentes pensantes. O corpo não é só um veículo para a mente e/ou a alma. Nós somos nosso corpo, apesar de aprendermos o contrário. Precisamos aprender isso. Aprender que nós somos nosso corpo, e aprender que precisamos tocar e sermos tocados. E nesse encontro de corpos entre educador e educandos, e não só de mentes, é necessário que os corpos interajam, dialoguem, e não só as mentes. A forma que os corpos têm para interagirem e dialogarem é através do toque: abraços, mãos nas mãos, uma mão que passa na cabeça, massagens, danças, brincadeiras, etc.
 

     Outro fator dessa educação do toque é que esse toque tem de estar repleto e impregnado de cuidado. O toque no sentido de cuidar faz com que aquele que recebe o toque sinta confiança em quem o tocou, se sinta amado, protegido, seguro, cuidado. Fatores que julgo essenciais para o processo educativo. Ninguém aprende se estiver com medo, se não confiar no outro que está compartilhando um conhecimento com ele. Por isso o toque impregnado de cuidado é extremamente pedagógico, e necessário à prática educativa.
 

     Precisamos de uma pedagogia do toque. O tato precisa ser educado. Nesse sentido, as danças são de uma potencialidade sublime. As danças coletivas, a maioria em roda, levam toques simples, mas harmonizados. As danças em duplas, como as de salão, ou o forró, envolve o encontro de dois corpos, toques, sem quaisquer formas de invasão ou desrespeito ao corpo do outro. Pelo contrário, os corpos harmonizados, dançando juntos enquanto se tocam, é um potencial processo educativo do tato. É um desafio, muitas vezes, para algumas pessoas, dançar com outra pessoa. Os toques, os corpos juntos, é uma coisa difícil para muitas pessoas. Precisamos aprender a tocar e sermos tocados, a aceitar toques. A dança é essencial nesse processo. Mesmo as danças individuais, que são coletivas, mas você dança solto, elas proporcionam um relacionamento com seu próprio corpo, com sua pele, com seu tônus, com seu corpo no espaço.
 

    A poesia, o teatro, as artes em geral, têm um cheiro bom, podem ter um cheiro bom, e é uma forma de expressarmos o cheiro das coisas, de dar cheiros às coisas.
 

     Nisso tudo, as artes e a educação dos sentidos são intrinsicamente ligados, e a educação dos sentidos devem ser uma parte essencial do trabalho com a Arte Educação Popular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALVES, Rubem. Escutatória. Correio Popular, 1999. Disponível em: http://rubemalves.com.br/site/10mais_03.php. Acessado em 15/04/2016.


BARON, Dan. Alfabetização Cultural: a luta íntima por uma nova humanidade. São Paulo: Alfarrábio, 2004.
 

BOAL, Augusto. A Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

    © 2017 por Paulo Inácio Coelho - Assessoria em Educação, Arte e Cultura. Orgulhosamente criado por Wix.com

    bottom of page